Tudo o que fazer, tudo no qual dedicamos o nosso tempo precisa de amor.
Pois do contrário, sem amor, não terá valído a pena, não será dedicação
e sim perda, perda de tempo, perda de juventude,perda de prazer, de fôlego.
E então, quando nos dermos conta, boomm!...passou, e só.
Que pode uma criatura senão,
entre as criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?

Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o áspero,
um vaso sem flor , um chão vazio,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho,
e uma ave de rapina.

Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisa pérfidas ou nulas
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesmo de amor, e na secura nossa
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.


Amar. Carlos Drummond de Andrade
Rebeca